Outras famílias de Maricá foram ameaçadas pelo tráfico, diz polícia
15/12/2023
Comerciante diz que foi expulso de casa por traficantes no RJ após briga com vizinho por cano de esgoto. Ele, a mulher e as filhas menores conseguiram fugir, mas comerciante fala que está 'jurado de morte'. O delegado Bruno Gilaberte, da 82ª Delegacia de Polícia (Maricá), confirmou que investiga casos semelhantes ao do comerciante de Inoã, distrito de Maricá, que foi expulso de casa por traficantes após uma briga com um vizinho. O desentendimento, segundo a denúncia, foi por conta de cano de esgoto.
"Há situações congêneres, não só nessa comunidade, como em outras. No entanto, já temos investigações sobre todos esses casos", disse.
Segundo ele, a investigação foi instaurada no início de novembro.
"Estamos apurando crimes de tentativa de homicídio, crime de tortura, crime de esbulho possessório, e já houve um pedido de providências judiciais e estamos aguardando a resposta desse pedido. Mas a investigação está se desenrolando todo dia, todo dia nós produzimos algum tipo de prova nova.”
Gilaberte disse que o local onde o comerciante e a família viviam é dominado pelo tráfico de drogas.
"Temos inquéritos instaurados também para apuração da atuação dessa facção criminosa, como eles fazem, como eles ocupam casas, tudo isso está sendo investigado.”
'Jurado de morte'
Por temer pela vida – pois diz ter sido jurado de morte – comerciante, a esposa e as duas filhas, uma delas autista, dormiram durante quase uma semana em frente à delegacia.
Agora, o homem disse que está escondido, não consegue trabalhar e não tem como pagar por um remédio da filha que custa cerca de R$ 300.
Por telefone, em uma residência com segurança, o homem de 39 anos contou ao g1 o que aconteceu.
"Essa confusão começou após o meu vizinho de baixo, a gente morava em uma casa de dois andares, reclamar dos canos de esgoto que estavam aparentes. A tia da minha esposa, que vendeu a casa para ele, perguntou o que ele queria que fosse feito. Fizemos uma modificação no encanamento. No entanto, mesmo assim, ele não gostou e passou a brigar", relata.
"Há um mês, ele apareceu lá com os traficantes. Um deles abriu a porta do carro e queria que eu entrasse no automóvel para resolver o problema na 'boca de fumo.'"
Perseguição e ameaças
Nascido no Guarujá (SP), mas vivendo em Maricá desde os 2 anos de idade, o comerciante disse que recusou a ordem e a partir daí começou a ser perseguido e ameaçado.
"Eu disse pra eles que era trabalhador e que não tinha nada para resolver na boca de fumo. Um bandido perguntou se eu queria que ele fosse lá me pegar. Eu disse que não, e eles passaram a atirar na minha casa. Eu consegui fugir correndo por trás da casa. Mas, eles pegaram a minha esposa e as minhas duas filhas [de 12 e 2 anos]", lembra.
"Eles fizeram uma pressão para que eu voltasse. Humilharam a minha esposa, atiraram próximo do ouvido da minha filha de 2 anos, que é autista. Obrigaram a minha outra filha a ficar de joelhos. Barbarizaram. Chamei a PM e fui lá resgatá-las durante a madrugada."
Ele relatou que, horas depois do ataque e de conseguir sair com a família da casa, que fica na comunidade Sem Terra, em Inoã, eles foram até a 82ª DP, registraram um boletim de ocorrência e, posteriormente, foram levados para uma pousada que tem convênio com a Prefeitura de Maricá.
No dia seguinte, em 8 de novembro, o secretário municipal de Participação Popular e Direitos Humanos, João Carlos de Lima, o Birigu, teria ido onde eles estavam abrigados e prometido que a família seria assistida e os levou para um imóvel em um outro bairro de Maricá. No entanto, segundo o comerciante, o espaço não tinha nenhuma estrutura para a família.
"O Birigu foi lá e disse que iria dar assistência, todo tipo de ajuda, mas nos abandonou. Só que ele pediu para não fazermos vídeos e nem divulgar nada. Mas na casa que nos abrigaram não tinha nem cama. Dormimos no chão, sem lugar para fazer a mamadeira da minha filha. E, para piorar, os traficantes descobriram onde estávamos", diz.
Ele conta que, temendo pela vida da família, foi a noite no Destacamento de Polícia Ostensiva (DPO) de Inoã.
"Mas, um policial militar disse que a gente não poderia ficar ali porque traria insegurança. Por conta disso, formos para a porta da 82ª. Ficamos lá. Um policial falou que era pra gente abandonar a cidade. Deixar Maricá e procurar outro lugar. Mas, como vou fazer isso? Estamos só com um carro e a roupa do corpo. Não temos nem condições de dar comida para as minhas filhas", desabafa.
Procurado, o secretário João Carlos de Lima, o Birigu, não retornou até a última atualização desta reportagem.
Operação de emergência
Há cerca de 20 dias, a Polícia Militar fez uma operação de emergência na comunidade para que o homem conseguisse tirar os móveis da sua casa.
"Depois de muita insistência, a PM foi lá porque a minha filha estava convulsionando. Ela estava sem os remédios, que custam R$ 300 por mês. Conseguimos tirar uma televisão, umas bicicletas, que estamos vendendo para conseguir nos manter. Cheguei na casa e ela estava toda quebrada, toda destruída. Eles (os bandidos) destruíram tudo", diz.
PM montou operação para retirar objetos da família
LSM Notícias
O homem conta ainda que os traficantes teriam impedido que dois inquilinos dele repassassem o dinheiro dos aluguéis.
"Sempre fui trabalhador. Juntei dinheiro e consegui comprar dois imóveis. Os bandidos descobririam os endereços e foram lá. Disseram que os meus inquilinos não podem mais me repassar o aluguel. Agora, todo mês, será o tráfico que vai receber o valor. Eles acabaram com a minha vida. A minha esposa está com depressão, minha filha só chora."
Sem trabalho, sem dinheiro
O trabalhador diz que a família está sem condições de se manter.
"Não tenho condições de pagar o tratamento da minha filha. Não estou trabalhando. Eu sempre tive um comércio em Inoã. Hoje, vivo escondido porque estou jurado de morte. Maricá está à mercê dos bandidos. É inadmissível que isso aconteça. Lutei a vida inteira para dar um conforto para a minha família e agora isso acontece. Agora, só quero segurança para a minha esposa e minhas filhas."
Temendo pela vida, ele fez um vídeo e publicou nas redes sociais pedindo ajuda das autoridades maricaenses.
“Temos tudo em Maricá, mas o Comando [Vermelho, maior facção criminosa do RJ] está tomando conta de tudo. Eu estou aqui, há mais de um mês nessa situação, vivendo na porta da delegacia, vendo minha família ser ameaçada e ninguém faz nada. A cidade está entregue aos vagabundos, e eu, que sou pai de família, estou vivendo como um criminoso.”
Nesta quarta-feira (13), o comerciante e a família estiveram na Alerj e estão sendo acompanhados pelo gabinete do deputado estadual Filippe Poubel (PL), que informou estar cobrando das polícias Militar e Civil uma solução para o caso.
O g1 entrou em contato e aguarda retorno da Polícia Militar.
A Polícia Civil afirmou que “o caso foi registrado e diligências estão em andamento para apurar o fato", mas não comentou sobre o investigador da 82ª DP ter orientado o comerciante a deixar cidade com a família.
Família conseguiu retirar poucos objetos
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